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Goiânia, Goiás, Brazil
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quinta-feira, dezembro 05, 2019

Sonho que se sonha só


Em outra dimensão (plano a), aliens transformam um prisioneiro (presos em um tipo de Aquário junto comigo) em uma espécie de "cubo" que é inserido em um globo terrestre, na altura da Nova Zelândia (ou seria floripa?). Eu contesto essa ação. Imploro pra que não insiram o cubo. Não me dão ouvidos. Essa ação faz surgir uma ilha no mundo da nossa dimensão (plano b), pra onde eu e mais duas pessoas são enviadas para averiguação.
Esses aliens fazem experimentos com os humanos e seus costumes torpes. O polvo (seriam os mesmos da lua de Júpiter?) é um animal a se prestar atenção, pois provém dessa dimensão superior (plano a).
O cubo surge sorrateiramente do mar e nós emergimos juntos com ele em uma praia poluída por caixas de remédios e sacolas de plástico flutuando na água.
Nessa praia que chegamos a areia é branquíssima e o mar bem azul, porém cheio de humanos com coisas como remédio, e outros objetos, boiando. Em determinado momento, penso que aquela cena se parece com um desastre marítimo, pela quantidade de coisas flutuando e as pessoas ali em volta. Mas não chego a qualquer conclusão, pois me desperto. 



Me desperto? O Sábio Chinês ou a Borboleta?

Livre-arbítrio em uma realidade determinada e condicionada a limitação do nosso corpo por cinco sentidos? A mente extrapola, mas ainda assim é presa, pois está no corpo e condicionada a essa existência. Não desvincula ou consegue desassociar-se do que conhece. Não se atreve a ir além do que conhece, pois não consegue conceber com exatidão como seria aqui sem as referências que temos de tempo e espaço. A ordem que estabelecemos para o caos da existência é tentar conceber narrativas lógicas para as coisas triviais do acaso, associando e vinculando coisas. Significando o mundo e criando novos mundos, assim como no sonho.  Podemos ser frutos de outras criações dessa natureza? Vivemos concomitantemente em outras dimensões? Estamos sendo observados e controlados sem nos darmos conta? 
Tendemos a normalizar e normatizar o absurdo da existência levando institucionalizações e imposições sociais muito a sério. Nos distanciamos de nós mesmos. Fazemos o que não gostamos, para ter o que não precisamos ou queremos, para agradar quem não gostamos. Evidenciamos acontecimentos e experiências (fenômenos) negativas e nos esquecemos que todo o restante é positivo, pois permite que estejamos vivos e lúcidos (?) para viver tal experiência. Se uma coisa acontece fora daquilo que achamos/planejamos como ideal no mundo, já nos autodesignamos com "má sorte", esquecendo que só podemos passar por tal situação porque estamos a respirar, andar, comer, existir, viver. Nos agarramos tanto a um ideal de vida padronizado que nos é vendido pelo sistema e às vezes nos esquecemos de viver a nossa própria vida, de olhar pra nós mesmos. Autoconhecimento é a chave do poder, fonte de potência. O que penso vem de mim ou vem de fora? Qual fora? Se vem de fora, não existe o "eu"? Se vem de mim, qual a origem? Penso que vem justamente do movimento, de dentro pra fora, de fora pra dentro: tudo é relação. Devemos ter consciência e cuidado com o que nos relacionamos.

quarta-feira, novembro 27, 2019

Ao amanhecer



Ao amanhecer
A desconstrução da sombra
A ascensão da luz
A dor da existência flui um pouco mais
Possibilidades
Esperanças
Ações e pensamentos
Sonhos e vontades
Vaidades
Revigorado da alma
O corpo em estado de alerta
Feixes de luz que teimam em adentrar.

Ao amanhecer
O silêncio é rompido
Profundo e vazio
Inócuo e preciso
Deus-Sol retoma seu lugar
Dita as regras sobre a vida
Em um novo dia pela frente
O que nunca aconteceu
Colide com o que acontece todos os dias em todo lugar.

Ao amanhecer
O corpo estica
A mente incita
Pássaros recitam melodias
O galo impõe o seu vocal
Ao seu ritmo a vida se desperta
Do lado de fora
Do lado de lá
Carros começam a orquestrar
A sinfonia cotidiana da loucura.

Ao amanhecer
A paz do espírito retoma seu lugar
Novas cores se abrem ao olhar
O perfume da cafeína exala pelo ar
Entoa a imaginação
Na rotina cotidiana
O sono se esvai
Obcecado em desligar o sonho
A noite se cala sobre nossas memórias.

Ao amanhecer
Cada dia passa
Cada vez mais rápido
A resistência cai
O descanso dorme
Pra mais tarde acordar
A velha engrenagem volta a funcionar.
Serotonina
Tentar Ser
Ao amanhecer

segunda-feira, novembro 25, 2019

LANÇAMENTO!!! VIDEOCLIPE "O LOUCO/COMO SE FOSSE LOUCURA (PARALLEL DIMENSION)"

Amigos e amigas,
é com grande satisfação que apresento-lhes o videoclipe "O Louco/Como se fosse loucura (Parallel Dimension)", a mais nova produção que é parte integrante do universo transmídia em expansão do projeto "Cão Breu Pós-Humano", iniciado em julho de 2019 com o lançamento do álbum musical homônimo pela Lunare Label de São Paulo (link para o álbum: https://lunarelabel.bandcamp.com/album/c-o-breu-p-s-humano).
O vídeo, que teve seu lançamento no último sábado (23/11) durante o evento "Ciberpajelanças 2", no Espaço Ruptura, é uma parceria minha com os grandes artistas Edgar Franco (a.k.a. Ciberpajé) e Fernão Carvalho.
Todas as fotos e filmagens foram feitas por mim, os desenhos, ilustrações e HQs poético-filosóficas por Edgar Franco (a.k.a. Ciberpajé) e a edição das imagens por Fernão Carvalho Burgos.
A música foi composta a partir de samplers, e gravações de baixos, percussões, vozes e violões, gravados e mixados pelo celular.
As letras misturam aforismos do Ciberpajé, textos de suas HQs e poemas e reflexões de Fredé CarFeli, além de referências que vão de Schopenhauer a Twin Peaks.
Deliciem-se clicando abaixo no vídeo ou no link: https://youtu.be/SsfybsEG0WA




Ficha técnica/histórico da obra:
Participação Especial: Ciberpajé (a.k.a. Edgar Franco)
Edição: Fernão Carvalho Burgos
Fotos: Fredé CarFeli
Desenhos: Edgar Franco (a.k.a. Ciberpajé)
Direção: Fernão Carvalho Burgos & Fredé CarFeli
A faixa "Como se fosse loucura (Parallel Dimension)" foi lançada somente em videoclipe e conta com a música incidental "O Louco" do álbum "Cão Breu Pós-Humano".
Essa nova composição é uma expansão transmidiática do projeto "Cão Breu Pós-Humano" que utiliza as linguagens da fotografia, do HQ poético-filosófico e do videoclipe, em conjunto com o som e a arte enteogênica do Ciberpajé que já vinha se desenvolvendo desde meados de 2019, para abrir novas possibilidades poéticas e artísticas ao projeto.
O videoclipe se inicia com a primeira faixa do álbum "Cão Breu Pós-Humano" intitulada "O Louco" e então desemboca na música inédita "Como se fosse loucura (Parallel Dimension)".
O "Cão Breu Pós-humano" é um projeto musical introspectivo de auto-reflexão de Fredé CarFeli, radicado em Goiânia. O primeiro CD do projeto (que é uma espécie de spin off da banda Cão Breu), nasceu inicialmente como uma homenagem à obra do Ciberpajé (Edgar Franco), inspirado por seus quadrinhos e aforismos. Fredé apresentou 4 músicas gravadas pelo celular ao Ciberpajé que gostou muito da homenagem o do estilo despojado folk-psicodélico criado nas faixas, com isso o Ciberpajé foi convidado a participar do primeiro álbum autointitulado do "Cão Breu Pós-humano", gravando vozes e aforismos inéditos para algumas faixas, além de criar a arte de capa e todo o projeto gráfico do álbum que foi lançado em julho de 2019 pela Lunare Label (SP), ouça-o e faça download com as artes completas no link da Lunare: https://lunarelabel.bandcamp.com/album/c-o-breu-p-s-humano
Fredé CarFeli fala sobre as inspirações e o conceito da obra:
"O álbum musical foi todo gravado e mixado apenas com o meu celular e surgiu inicialmente como uma homenagem à obra do Ciberpajé (a.k.a.Edgar Franco), inspirado em seu álbum em quadrinhos “Oráculos”- com HQs baseadas no Tarô e I Ching - e em seus aforismos iconoclastas. De forma geral, 'Cão Breu Pós-humano' tematiza sobre uma possível projeção narrativa futurística distópica da lenda do Cão Breu, interseccionando, durante a jornada, com o universo transmídia da 'Aurora pós-humana', nos aforismos e na obra “Oráculos” do Ciberpajé. O nome 'Cão Breu' remete etimologicamente ao 'demônio' (cão) e à 'sombra' e 'escuridão' (breu). Circunscrita ao ambiente rural e interiorano, essa lenda, presente na oralidade cultural brasileira, versa sobre um cão negro de olhos flamejantes, anunciador de uma tragédia proveniente da personificação da culpa, da angústia e do remorso, que desemboca aqui artisticamente em uma jornada de autoconhecimento e transcendência, além de dar nome à banda que faço parte desde 2015 ao lado de Gustavo Ponciano, Guilherme Tell e Evandro Galo, porém, é importante frisar que este é um projeto pensado subjetivamente por mim, desvinculado e independente da banda. Após ouvir as primeiras faixas gravadas o Ciberpajé entusiasmou-se com o projeto e gravou aforismos exclusivos com sua voz para estabelecer sua participação especial, e também criou a arte da capa e encarte que mixa inspiração visionária enteogênica no desenho base e efeitos gerados pela inteligência artificial Deep Dream."
Das sete faixas do álbum (numeradas no encarte de 0 a 6) seis são baseadas no violão, voz e algumas percussões, criando uma atmosfera folk mixada à psicodelia nas vozes e efeitos sonoros. Já a faixa que fecha o álbum, "Viagem Interplanetária (Transdimensional Lycanthropy)", investe em uma psicodelia eletrônica, além da nova composição, aqui apresentada transmidiáticamente como expansão da obra, que agrega as linguagens da fotografia, do HQ poético-filosófico e do videoclipe a um som épico composto a partir de samplers, vozes, baixo e violão também gravados pelo celular.
O videoclipe traz incidentalmente a primeira faixa do álbum "Cão Breu Pós-Humano" intitulada "O Louco" e então desemboca na música inédita "Como se fosse loucura (Parallel Dimension)", estabelecendo relações de expansão do imaginário perante a obra original e a nova proposta poética apresentada audiovisualmente. A direção e edição foi feita pelo cineasta Fernão Carvalho Burgos que gostou da ideia e topou a parceria. As fotografias são todas de autoria de Fredé CarFeli e dialogam com o clima distópico pós-humano das ilustrações do Ciberpajé e com a letra da música.
As letras misturam aforismos do Ciberpajé, textos de suas HQs e poemas e reflexões de Fredé CarFeli, além de influências poéticas que vão de Schopenhauer a Twin Peaks.
A arte do CD foi criada pelo Ciberpajé a partir de uma experiência visionária com o enteógeno Psilocybe cubensis, ela retrata um cão lobo-guará pós-humanista e utilizou em sua finalização a rede neural e Inteligência artificial Deep Dream para geração das texturas da imagem.
Boa viagem! "Só se vive na tempestade".

domingo, novembro 24, 2019

“Coringa”, “Bacurau” e “Sem Retorno”: a solidão e a resistência dos “invisíveis” aos olhos do sistema.

Sem Retorno, de Rosa Berardo

Em meio a um contexto histórico, político, econômico e sociocultural tormentoso como o que vivemos, buscamos em dois filmes brasileiros e um estadunidense algumas relações de representação de aspectos cruciais da nossa condição. Ao observar tais obras nos atentamos à alguns temas/conceitos presentes em todas as narrativas, são eles: a solidão, a invisibilidade social e o autoconhecimento.
Os filmes foram todos lançados no ano de 2019: Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, Sem Retorno, de Rosa Berardo e o Coringa, de Todd Phillips. Além dos temas já citados, todos os filmes lidam (cada um de sua maneira, mas de forma pontual) com a noção de “estranhos sociais” a partir do realismo fantástico. Essas representações nos abrem a imaginação para algumas possíveis interpretações e reflexões acerca de nossa civilização nos níveis “mundial”, “nacional” e “local”. As ideias levantadas pelas obras nos situam em uma era global, que apesar de haver uma maior fluidez de barreiras culturais e um amplo “cosmopolitismo virtual”, as culturas tradicionais, folclóricas, locais são vistas como exóticas por não se enquadrarem em algum padrão geral que o sistema busca estabelecer para facilitar a manipulação. Porém, algumas noções estéticas ainda podem ser consideradas e sistematizadas, apesar de não estarem isentas a transformações (muito pelo contrário).
Bacurau, de Kléber Mendonça Filho
Um filme não é obra apenas dos seus criadores, pois se completa em ciclos de interpretação, compreensão, associação e ressignificação também nas mentes dos espectadores. No fim das contas, as obras aqui articuladas tocam em pontos importantes que nos mostram que muito da suposta maldade maniqueísta presente no mundo é gerada por nós mesmo a partir de uma moral ideológica idealizada, ou, por ignorarmos e normalizarmos a existência de certos aspectos, nos perdemos em meio à ganância e à vaidade, o que gera mais dor e sofrimento a nós mesmo, produtores de nossas próprias existências, à luz do existencialismo.
As obras apontam reflexões em relação às pressões cotidianas que somos acometidos e a onda conservadora que assola o planeta e ascende o ódio em diversos níveis, desde as micro-realidades cotidianas às macro-estruturas globais, referentes ao sistema capitalista, determinando muito acerca de nossa condição social.
Entre os diversos temas tratados, a questão da “invisibilidade social” é um assunto recorrente em todos esses filmes. Em Bacurau, vê-se a invisibilidade de um povoado que é excluído do mapa e perseguido por atiradores de elite gringos em um jogo mortal genocida. Em Sem Retorno, a invisibilidade se manifesta sobre um vendedor de utensílios domésticos perante a sociedade e o seu próprio descaso com o próximo, fazendo invisíveis outras pessoas, como uma senhora abandonada pela família ou uma mulher que vive isolada em uma fazenda autossustentável. Em Coringa a invisibilidade urge no personagem enquanto ser humano, dotado de emoções e sentimentos, se acentuando na relação das pessoas com sua doença incomum, de um riso incontrolado. Todas as narrativas conduzem à ideia de que a partir do reconhecimento dessa própria invisibilidade, pode-se modificar a realidade por meio de atitudes de contestação e resistência às normas que promovem essa condição.
Coringa, de Todd Phillips
Para Zygmunt Bauman, em O mal estar da pós-modernidade (1998), os “estranhos sociais” são aqueles que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético da civilização. A simples presença deles deixaria o ambiente turvo, confuso e traria a angústia em oposição à alegria, gerando incertezas. Esses “estranhos” geralmente estão associados àqueles que não se enquadram nas normas estipuladas pela cultura dominante. Assim, um estranho que questiona padrões propondo reflexões ou expondo fragilidades em relação ao sistema, se constitui em uma ameaça ao mundo utópico que a normatização pretende estabelecer.
A fobia e a repulsa que um ser, por mais bondoso que seja, causa em outro, apenas por ser diferente, traduz o julgamento social latente expondo chagas culturais típicas da humanidade. A diversidade utópica vislumbrada por alguns teóricos humanistas se depara com percalços e limites socioculturais baseados no lucro insaciável, no medo e na ideia de ameaça, gerando cisões e tensões entre personagens dentro de suas próprias comunidades. As diferenças e subjetividades de cada personagem vem à tona e se chocam com uma realidade utópica construída e calcada na moral e nos bons costumes, mas que também rui a todo momento.
Por mais que sejam parecidos, cada indivíduo, percebe e experimenta o mundo de uma forma única e completamente distinta de outro, uma vez que os referenciais de memória, percepção e imaginação são variados, além da intencionalidade que se dá a estes referenciais em cada consciência.
Assim, os personagens que não se enquadram nos padrões (em especial os monstros, vilões e anti-heróis) convergem em si mesmos – enquanto construção arquetípica e em nosso imaginário – diferentes valores, angústias, medos, superstições, entre outros elementos da psiquê, articulando um mosaico de sentimentos sem uma determinada uniformidade psíquica, física ou moral, como se cada atitude lhe trouxesse novos ganhos em atributos, ou saciasse sua “alma” destoada ao olhar do cânone.
Em comum, vê-se uma ferocidade grotesca, antropofágica e bárbara, destoada da norma, consumir e adentrar tais estruturas de representação, cujo espectro tende a ser objetivo em sua ação contestadora, matando, agredindo, perseguindo, aterrorizando ou, até mesmo, salvando toda uma população, mesmo que de maneira desajustada, como o personagem Lunga em Bacurau, um criminoso aos olhos da sociedade normativa disciplinar, porém herói de seu povo.
Bacurau, de Kléber Mendonça Filho
Os monstros somos nós mesmos, e nos filmes nos reconhecemos assim, de diferentes maneiras, mas em nenhuma delas alheia à nossa ainda persistente humanidade frente as questões abordadas. Ao nos vermos deslocados para a telona por meio da representação nos identificamos ou repelimos arquétipos ali colocados em forma de personagens inserido em espaços (cenários) fantasiosos. Pela montagem e ritmo de condução narrativa, abre-se, nestas obras, a possibilidade de inserir a imaginação ao espectador para reflexões sobre o quanto a espécie humana é ao mesmo tempo terrível, agressiva e feroz em relação ao que não compreende ou não aceita e unida, combativa, persistente e aguerrida quando se interfere nos próprios sonhos, identidades culturais e noções de pertencimento. Desta forma, há uma preciosa relação entre as obras analisadas: as alegorias de resistência e solidão propostas entre os cenários e os personagens, entre os corpos e as paisagens.
Criações artísticas provenientes do imaginário popular e ricas em elementos simbólicos ocupam um espaço importante entre o racional, o emocional, o imaginário, o mágico, o sagrado e o profano no que diz respeito às formas de representação em nossa cultura.  As obras em questão tratam sobre o aspecto da naturalização da estranheza de maneiras distintas, porém interessantes em cada contexto representado. A loucura, o sonho, a morte, o limbo, a alucinação, o sobrenatural, a exclusão, a não adequação à normas institucionalizadas, são temas que permeiam as três produções e conduzem as narrativas, cada uma a sua maneira, ao nosso olhar interior em relação às formas que lidamos com o mundo e com a gente mesmo.
Em Bacurau, o povoado onde se passa a trama, já distante do restante do país, é ainda mais isolado quando retirado do mapa e quando são cortados os meios de comunicação e o abastecimento de recursos. O distanciamento no filme se dá em relação ao centro de decisões políticas e econômicas do país, localizado na cidade grande e que reconhece e legitima muito mais o que vem de fora que as próprias tradições. Com isso, há uma invisibilidade de todo um povo que, a partir do autoconhecimento de sua história (aí o museu ser mais importante que a igreja, na narrativa), resiste e luta pelo direito de existir.
Sem Retorno, de Rosa Berardo
Em Sem Retorno, o contraste entre o ambiente urbano e o meio rural nos causa reflexões acerca do que de fato podemos considerar como problemático. Qual seria de fato o lugar inóspito? Um lugar repleto de pessoas que não se importam com ninguém e que estão presas em seus próprios delírios “egóicos”, ou um lugar isolado onde a individualidade e o autoconhecimento é importante? O filme traz a ideia da normalização por nós mesmos de nossa própria invisibilidade social. Nos rendemos, muitas vezes, ao controle do sistema, permanecendo, como engrenagens, em empregos que odiamos, nos relacionando com pessoas que não gostamos e querendo impressionar essas pessoas que não gostamos com coisas que não temos e de fato não queremos. Um tapa na cara de uma sociedade hipócrita calcada em valores padronizantes e alienantes, onde o “outro”, mais que um estranho, é um número a ser contabilizado. Tais valores fazem eclodir a solidão que nos assola. O filme ilustra de forma poética toda a perturbação e dependência que colocamos no consumo e no lucro acima de qualquer coisa. Um estilo de vida fatal, onde perdemos o afeto por ouvir histórias e que assim submergimos em nosso egoísmo e ignorância, pela incapacidade de enxergar o “outro”. Para conseguir avistar isso, o personagem precisa voltar à realidade sufocante da cidade grande e, ao se deparar com toda falta de sensibilidade e atenção com o “outro” (que agora é ele mesmo), parte para se autoconhecer ao ponto de não ser mais possível retornar àquela condição de adequação normatizada.
Sem Retorno, de Rosa Berardo

Já em Coringa, Gotham City, criada no universo dos quadrinhos para representar a vida em qualquer metrópole do mundo, é o cenário do filme que enclausura os personagens em suas próprias perturbações, ganâncias e vaidades. A solidão é o elemento condutor da vida daquelas pessoas. Ou você é o sistema, ou você se rende ao sistema, se adequando aos padrões normatizadores da sociedade ou você se torna um estranho, excluído, invisível e lançado ao limbo, ao próprio azar em um mundo nada amistoso. Na medida em que o mundo que cerca o personagem Arthur segue em colapso, o caos que o habita internamente eclode e ele o reconhece, legitimando-o em si mesmo e não se importando mais com as normas institucionalizadas.
O personagem enxerga que em um mundo doente, ser normal é estar tão doente quanto o mundo, ao soltar a frase: "Sou eu ou o mundo está ficando mais louco?". A partir da invisibilidade de sua condição social, da ruína de suas relações (laborais, familiares, afetivas, psicológicas, entre outras) e da solidão que o assola, somado ao corte da mínima assistência social que ele ainda dispunha, vem o surto a partir de um autoconhecimento macabro, aniquilando tudo aquilo que é problemático em sua vida (segundo seu ponto de vista na narrativa) e transcendendo seus valores para uma aceitação daquilo que para o mundo é uma loucura.

Coringa, de Todd Phillips

Porém, para o mundo ele já era louco, mesmo tentando se adaptar. Arthur desabafa: “a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse". Ele abraça a própria “sombra” e entra em conexão com tudo aquilo que reprimia, sublimando tais emoções de maneira violenta. Isso fica bem explícito nos questionamentos do personagem durante uma entrevista em um programa de TV: “Quem diz o que é normal? Quem diz o que é loucura? Quem diz o que é engraçado? Eu pensava que minha vida fosse uma tragédia. Agora me dou conta de que é uma comédia".
Assim, nas narrativas expõe-se a ideia de que para viver o seu “eu real”, despido de “máscaras” sociais, somos reprimidos acerca de nossos desejos instintuais e naturais, o que, invariavelmente, contribui com nossa ruína em uma cultura normatizada, uma vez que nossa subjetividade (ou seja, nossa existência enquanto ser único e potencial) é aniquilada em função do olhar institucional padronizante.
Inúmeras obras audiovisuais, entre outros meios de expressão artística, por constituírem-se intrinsecamente de formas de representar o mundo e refletir assim o contexto em que estão localizadas, trazem consigo diversas visões de mundo, preocupações sociais e orientações ideológicas. Tais obras perduram como testemunhas históricas do seu tempo e podem ser analisadas com a finalidade de trazer informações muitas vezes ocultas em documentos oficiais.
A arte como contestação do status quo, em determinados momentos, teve que estar inserida no sistema para poder questioná-lo, algumas vezes com consciência e eficiência, outras não. Como o louco que nos aponta a sanidade da civilização ou a falta dela, esses questionamentos vindos de dentro, já dominados e cooptados pela indústria, reafirmam a ideia de que para existir, por exemplo, o “excêntrico” é necessária, a priori, a existência (ou a concepção) de um “centro” normatizado contrastante, que só é possível ser questionado a partir das ferramentas, elementos e recursos associados a tal. Por outro lado, só podemos reconhecer o quanto o ambiente em que estamos nos faz mal, saindo dele. (“Só se pode ver a ilha se sairmos da ilha”, nas ideias de Saramago).
Portanto, uma questão que permeia as três obras talvez seja sobre a famigerada ideia de liberdade. A liberdade em essência, aquela utópica, rousseauniana, que perdemos quando vivemos enquadrados à regulação do sistema. Aquela dos outros animais, que não do ser humano. Algumas perguntas inconscientes que os personagens desses filmes despertam são: quero ser livre, o máximo possível, ou quero voltar a ser mais uma engrenagem no sistema, quantificado? Qual o preço que se paga por ser livre? O que é a felicidade? O que é ser feliz em uma sociedade que não está interessada nisso, uma vez que a felicidade não gera lucro? Tais reflexões coadunam com as visões de Byung-Chul Han, referentes a sobrecarga que sofremos/nos impomos na sociedade atual e também à Jonathan Crary na ideia de que o sono é um dos grandes meios ainda de resistência em uma sociedade ligada ao consumo: 24 horas por dia, 7 dias por semana.
A desumanização da sociedade e a ruína das clássicas instituições de controle transformadas pelo aumento da dependência extrema pela tecnologia, exalta, através da comunicação em massa, uma falsa felicidade do “ter” acima do “ser”, aprisionando-nos voluntariamente ao padrão. Essa relação doentia e de autoflagelo que é extensamente abordada nos filmes.
Bacurau, de Kléber Mendonça Filho

A resistência também é outro tema importante, que tece um fio de ligação entre os três filmes. Ao mesmo tempo que evidenciam o problema, apresentam possibilidades de libertação. A resistência é contra a noção de uma padronização do nosso bem mais precioso: o tempo. A exaltação de subjetividades e ritmos de vida diferentes, desenquadrados ao institucional, vivendo e se impondo em outros tempos. Humanizados em sua loucura e monstruoso perante o que é enquadrado. A contestação pelo tempo vivido, pelo momento usufruído, pela transcendência na relação com o mundo, talvez seja mesmo a última fronteira, como previa Crary, da resistência. A refutação da lógica da positividade como único meio de felicidade, em uma sociedade que prega que podemos tudo ("yes we can") e na verdade não podemos nada, pois estamos quebrados financeiramente, fisicamente e psico-emocionalmente, expostos a frustrações causadas pela alta expectativa de “vencer na vida”. Uma vida cada vez mais cara e excludente. Um ciclo vicioso que nos prende ao sistema. A mecanização das relações e o esvaziamento da empatia pela individualização e pelo egoísmo impregnados culturalmente. A invisibilidade do "outro", do diferente, do não-enquadrado, do que não pode oferecer lucro ou qualquer coisa além da própria subjetividade. A invisibilidade de todos nós, avassaladora maioria da população, que não detém os meios de produção. A importância da contestação de utopias que não são nossas. A ideia de que a utopia da natureza é a nossa distopia, e vice-versa. Se o nosso habitat natural se tornou estranho (a natureza como alegoria do estranho), seria ainda nosso habitat natural? Seríamos ainda animais ou já nos tornamos máquinas? Estamos ainda integrados ao planeta? Seria o fim do humanismo? Afinal, quem é o louco? Os que alegram os reis com o intuito de virar reis e ser alegrado por outros bobos? Ou os que “aniquilam” os "reis" de forma visceral e resistem, buscando novas formas de viver? Resistência!
Assim, colocando em perspectiva, é interessante pensar estes fenômenos enquanto representação de reflexões acerca das relações humanas atuais, lidando com a arte como outras formas de interpretar o mundo que habitamos e com a intenção de se deparar conscientemente (ou não) com a realidade e a complexidade das coisas externas e internas ao pensamento humano, exibindo suas hipocrisias, contradições e convulsões cobertas e podadas pela moral social. A arte como resistência, mesmo que inserida, como no caso do Coringa, no sistema. A arte que corrói, de dentro pra fora expondo as vísceras. A arte é o que incomoda.
E quem pode garantir que tudo que ali se passa nos filmes nada mais é que uma extensa alucinação dos personagens? Tanto em Bacurau, quanto em Sem Retorno e em Coringa, as narrativas nos abrem brechas para tal devaneio, na maneira como são utilizadas a linguagem cinematográfica e como são conduzidas as narrativas com elementos alucinógenos (Bacurau), oníricos (Sem Retorno) e de delírios mentais (Coringa). Tudo aquilo pode não passar de alucinações dos personagens dentro das narrativas, assim como são para nós enquanto espectadores ou, como diria Méliès, sonhadores acordados sentados imersos na sala de cinema.
O que fica, afinal, é a reflexão de que a arte e os artistas podem operar como medidores bem precisos dos fenômenos que abalam o imaginário social. O que as vezes pode escapar em relação a tudo isso é a percepção de que tais representações ilustram, como um espelho, nossa própria face frente ao mundo e ao que não concordamos ou é destoante de nossos valores pessoais. Isso pode ser problemático e desencadear exaltações como as vistas em algumas situações nos lançamentos destes e de outros filmes, pois traz à tona hipocrisias que teimamos em carregar.

* Texto de Frederico Carvalho Felipe, doutorando e mestre em Arte e Cultura Visual - UFG, especialista em Cinema, bacharel em Relações Internacionais, professor de Fotografia, Cinema, Produção Audiovisual, Semiótica, Linguagem Visual e LIV. E-mail: fredcfelipe@gmail.com

terça-feira, novembro 05, 2019

Sem sentido


Penso que nosso aniversário é de fato uma ilusão. Comemoramos a data que é legitimada e registrada socialmente pela nossa saída do útero. Saída, muitas vezes, com hora marcada em meio a agendamentos direcionados a interesses das mais diversas ordens: "hoje não dá, pois o Dr. Fulano de Tal tem um encontro já agendado, vamos deixar pra amanhã as 17:43, ok?". Ou quem sabe: "hoje não quero ter o bebê, vamos deixar pra amanhã a data, pois preferimos que ele/ela seja de libra. Virginianos(as) são muito sistemáticos(as)." 
E assim caminha a humanidade, determinando narrativas a partir de datas ilusórias, naturalizadas e legitimadas sobre quem somos e quando viemos sem nem nos consultar.
Eu gostaria que as coisas funcionassem um pouco diferente disso, mas isso pode parecer loucura. Afinal, quem sou eu pra questionar o dia que nasci? Está lá! Documentado. Carimbado. Burocratizado. 
Confesso que comemoro sim meu aniversário, no dia 26 de março, data estipulada pelo sistema para minha chegada nessa dimensão. Um ariano, segundo devaneios dos astrólogos zodiacais. Gosto de comemorações de forma geral (me despertam emoções de afeto) e penso que o aniversário é importante nesse sentido em minha vida. Porém, não creio nesse dogma da data de aniversário absoluta e em toda a narrativa construída a partir daí (holística, jurídica, astral ou etária). Não creio que minha vida deva ser contada e quantificada a partir do momento que saí do útero. 
Desta forma, trago duas hipóteses/possibilidades de solução: 1) minha vida ser contada a partir do momento que sou considerado biologicamente uma vida, ou seja, ainda dentro do útero. Porém assim também estaria exatificando, mas por outro ponto de vista; 2) minha vida ser contada a partir do momento que tenho consciência dela, ou seja, sem uma data específica, exata, definitiva, tecnicista. Uma coisa mais fluida e  imprecisa, assim como o somos. (Somos?) 
Essa segunda ideia me agrada mais, pois rompe e transcende com o tipo de ordenação sistêmica de nós mesmos pelo mundo exterior. Assim, somos deslocados existencialmente ao contato com nosso interior (de dentro pra fora). Assim, somos humanizados e localizados no caos da existência, sem explicações lógicas para tal e sem predeterminações sufocantes sobre nós mesmos, afinal, a ideia de celebrar aniversário só faz sentido sendo nós mesmos conscientes e livres para sermos o que somos. De outra forma, não somos nós que celebramos e sim os outros, determinando o que gostariam que fossemos a partir de conceitos predeterminados externamente a nós.
Caímos sempre no erro, desde cedo cravado em nosso inconsciente, de vivermos mais para os outros que para nós mesmos. Aí é que nos desvinculamos do caos de sermos humanos, vivos, aleatórios, para virarmos mecanismos de significação, exatificados e controlados para o funcionamento de um sistema externo a nós, determinista e padronizante, que exclui nossas particularidades, fragilidades e potências naturais e evidencia características comuns para nos tratar como números e facilitar a venda de produtos e a contabilização de nossos hábitos e gostos para inúmeros bancos de dados. Viramos mercadoria. Pilhas para o sistema. Mortos em vida. Padronizados. Padronizantes. Um ciclo vicioso que segue de geração pra geração. A narrativa segue, infinita. 
Nos direcionar e alienar com falta de pensamento crítico decorrente do não-autoconhecimento, esse é o mundo que vivemos e que é  incentivado desde o nascimento. Por sermos conscientes, não seríamos o único animal a comemorar aniversário? O fator decisivo nisso é então nossa consciência. É ela que deve ser evidenciada e comemorada. Claro que não! Somos números. Só servimos enquanto servimos. Cada vez mais máquinas. Cada vez menos sentimentos. Não possibilitar, por nossa fragilidade de não ter consciência nos primeiros anos de vida, que sejamos nós mesmos é a chave de uma equação impossível de resolver, pois somos uma espécie de filhote dependente. Dependente do outro. Proponho então uma inversão consciente e determinada por nós mesmo como forma de questionar o institucionalizado. Ao invés de "aniversário", o "aniSersário". Ao invés de "niver", "niSer". Ao invés do "birthday", o "BeDay". "L'êtreversaire". O "Ser-eu" antes do "Ser-outro". Mais de dentro pra fora que de fora pra dentro.
O que vale o que penso? É quantificado? Não, porque não é medido enquanto simples pensar, só se articulado externamente, fora de mim. Mas, por outro lado, e tudo isso que penso? E tudo que penso? Vem de mim ou vem de fora? E os nossos sonhos? Já pensou nascer sem nenhum sentido? Sem nenhum dos cinco. Estar sempre dentro, nunca fora. Será que existimos sem sentido? Já pensou? 

segunda-feira, novembro 04, 2019

Os Impossíveis

O impossível só existe pra quem não sonha mais. 
Pensei que falávamos a mesma língua, mas, pelo jeito, é melhor eu me calar. 
Ninguém sabe o que o calado quer. 
Calado o sistema não pode nos cooptar. 
Será? 
Abra o olho!
Quando se cala o corpo não fala? 
É impossível se calar! 
Só se cala quando se deixa de sentir. 
Só se deixa de sentir parando de sonhar. 
Portanto, é impossível se calar, mesmo sendo um sonhador... 
Especialmente por ser um sonhador. 
Então o impossível é essencial pra quem ainda sonha.

sábado, novembro 02, 2019

Por medo ou por preguiça



O que fazia o ser humano 
Fornicava e lia jornais
Hoje tudo se resume 
A masturbação em redes sociais.

O medo ou a preguiça 
Nos afastou uns dos "outros". 
O controle nos impede
De abrir-nos como um todo.

Encontros mediados
por máquinas insensíveis.
Individualmente imersos 
no que é sem vida.
A humanidade deixa 
a si mesmo para trás
Se mata pela novidade 
que alimenta seu egoísmo. 

Por medo ou por preguiça
deixamos de sonhar. 
(Não se ensina mais a sonhar). 

Caímos presos e solitários
nas garras secas do sistema.
Por falta de tempos desinteressado,
ninguém sequer olha por nós.
(Só se ensina hoje a lucrar).

A saída, talvez, seja interna,
ouvir sua própria voz. 
Contra os padrões se rebelar.
Sobre a sombra lançar a luz.

Se a ti nem você se enxerga,
Quem dirá o que te seduz?
Você é um sonhador?
Estamos em extinção! 
Ou somente adormecidos...

Não se ensina mais a sonhar.
Sonho não é trabalho. 
Sonho não é dinheiro. 
Sonho não é desespero.
Sonho não é solidão.

O segredo é combinarmos
as habilidades racionais da vida desperta
com as possibilidades infinitas de nossos sonhos.
Quem sabe assim equilibramos
com fantasia o que nos tornamos.

Waking Life, Camus, 
Bauman, Deleuze
Não leve a vida tão a sério.
Que se dane a opinião dos outros.
Aconteça o que acontecer.
Presenteie-se. 
Presentifique-se.
Deleite-se.
Desmistifique-se


sábado, outubro 05, 2019

Ensaios oníricos existenciais a partir de realidades em diferentes dimensões


O "tudo", para ser tudo deve também ser nada. 
Já o "nada" pra ser nada não pode ser tudo. 
Só se pode ter tudo a partir da consciência que nada temos. 
Quem tudo tem (ou pensa ter), nada tem. 
Quem nada tem, nada tem. 
Logo, de fato nada temos, tivemos ou teremos, e, assim, podemos tudo.
Para ser algo, também precisamos não ser. 
E também para não ser, necessariamente precisamos ser, uma vez que se estamos, antes já somos e não somos vários. 
Concomitantemente, se estamos, somos. Se somos, estamos. 

Se é, também não é. 
Se não é, não é. 
Se pode ser, ainda não é. 
Se é, não pode ser, pois já é. 
O que não é, pode ser. 
O que é, não será. 
"Nada" pode ser. 
"Tudo", nada (também) é, logo, pode ser. 
Será?


quarta-feira, setembro 25, 2019

Ilusão Distópica


O que é a verdade?
Seria a realidade absoluta ou não?
Os sentidos, as lembranças, a fantasia da imaginação.
Fantasmas.
Miragens.
Imagens.
Ação.
A consciência é intenção.
A existência: solidão.
Cada um com sua tela.
Cada qual com seu quadrado.
Dor e sofrimento, destinos já traçados.
O amor traz alegrias.
O ódio deixa separado.
No deitar do corpo da vida, 
relembrar todo o passado.
O que ficou pra trás?
O que me trouxe de lá?
As melhores coisas são sem valor.
Só existem no contraste com a dor. 
Sorrir, prazer, amar...
não encantariam se sempre estivessem lá.
Só percebo o que oscila. 
Cuidado ao mudar de fila.
Em qualquer momento o instante trai.
Rompendo um pedaço do tempo que esvai.
E o tempo?
Será que existe? 
Pra você,
insiste ou resiste?
Somos nós o tempo ou o tempo somos nós?
Por quanto tempo ainda calarão a nossa voz?






domingo, setembro 22, 2019

O Triste Fim de Jair Messias Bolsonaro, por José Eduardo Agualusa.

Jair acordou a meio da noite. Mandara colocar uma cama dentro do closet e era ali que dormia. Durante o dia tirava a cama, instalava uma secretária e recebia os filhos, os ministros e os assessores militares mais próximos. Alguns estranhavam. Entravam tensos e desconfiados no armário, esforçando-se para que os seus gestos não traíssem nenhum nervosismo. Interrogado a respeito pela Folha de São Paulo, o deputado Major Olimpio, que chegou a ser muito próximo de Jair, tentou brincar: “Não estou sabendo, mas não vou entrar em armário nenhum. Isso não é hétero.”

Michelle, que também se recusava a entrar no armário, fosse de dia ou de noite, optou por dormir num outro quarto do Palácio da Alvorada. Aliás, o edifício já não se chamava mais Palácio da Alvorada. Jair oficializara a mudança de nome: “Alvorada é coisa de comunista!” — Esbravejara: “Certamente foi ideia desse Niemeyer, um esquerdopata sem vergonha.”
O edifício passara então a chamar-se Palácio do Crepúsculo. O Presidente tinha certa dificuldade em pronunciar a palavra, umas vezes saía-lhe grupúsculo, outras prepúcio, mas achava-a sólida, máscula, marcial. Ninguém se opôs.
Naquela noite, pois, Jair Messias Bolsonaro despertou dentro de um closet, no Palácio do Crepúsculo, com uma gargalhada escura rompendo das sombras. Sentou-se na cama e com as mãos trêmulas procurou a glock 19, que sempre deixava sob o travesseiro.
— Largue a pistola, não vale a pena!
A voz era rouca, trocista, com um leve sotaque baiano. Jair segurou a glock com ambas as mãos, apontando-a para o intenso abismo à sua frente:
— Quem está aí?
Viu então surgir um imenso veado albino, com uma armação incandescente e uns largos olhos vermelhos, que se fixaram nos dele como uma condenação. Jair fechou os olhos. Malditos pesadelos. Vinha tendo pesadelos há meses, embora fosse a primeira vez que lhe aparecia um veado com os cornos em brasa. Voltou a abrir os olhos. O veado desaparecera. Agora estava um índio velho à sua frente, com os mesmos olhos vermelhos e acusadores:
— Porra! Quem é você?
— Tenho muitos nomes. — Disse o velho. — Mas pode me chamar Anhangá.
— Você não é real!
— Não?
— Não! É a porra de um sonho! Um sonho mau!
O índio sorriu. Era um sorriso bonito, porém nada tranquilizador. Havia tristeza nele. Mas também ira. Uma luz escura escapava-lhe pelas comissuras dos lábios:
— Em todo o caso, sou seu sonho mau. Vim para levar você.
— Levar para onde, ô paraíba? Não saio daqui, não vou para lugar nenhum.
— Vou levar você para a floresta.
— Já entendi. Michelle me explicou esse negócio dos pesadelos. Você é meu inconsciente querendo me sacanear. Quer saber mesmo o que acho da Amazónia?! Quero que aquela merda arda toda! Aquilo é só árvore inútil, não tem serventia. Mas no subsolo há muito nióbio. Você sabe o que é nióbio? Não sabe porque você é índio, e índio é burro, é preguiçoso. O pessoal faz cordãozinho de nióbio. As vantagens em relação ao ouro são as cores, e não tem reacção alérgica. Nióbio é muito mais valioso que o ouro…
O índio sacudiu a cabeça, e agora já não era um índio, não era um veado — era uma onça enfurecida, lançando-se contra o presidente:
— Acabou!
Anhangá colocou um laço no pescoço de Jair, e no instante seguinte estavam ambos sobre uma pedra larga, cercados pelo alto clamor da floresta em chamas. Jair ergueu-se, aterrorizado, os piscos olhos incrédulos, enquanto o incêndio avançava sobre a pedra:
— Você não pode me deixar aqui. Sou o presidente do Brasil!
— Era. — Rugiu Anhangá, e foi-se embora.
Na manhã seguinte, o ajudante de ordens entrou no closet e não encontrou o presidente. Não havia sinais dele. “Cheira a onça”, assegurou um capitão, que nascera e crescera numa fazenda do Pantanal. Ninguém o levou a sério. Ao saber do misterioso desaparecimento do marido, Michelle soltou um fundo suspiro de alívio. Os generais soltaram um fundo suspiro de alívio. Os políticos (quase todos) soltaram um fundo suspiro de alívio. Os artistas e escritores soltaram um fundo suspiro de alívio. Os gramáticos e outros zeladores do idioma, na solidão dos respetivos escritórios, soltaram um fundo suspiro de alívio. Os cientistas soltaram um fundo suspiro de alívio. Os grandes fazendeiros soltaram um fundo suspiro de alívio. Os pobres, nos morros do Rio de Janeiro, nas ruas cruéis de São Paulo, nas palafitas do Recife, soltaram um fundo suspiro de alívio. As mães de santo, nos terreiros, soltaram um fundo suspiro de alívio. Os gays, em toda a parte, soltaram um fundo suspiro de alívio. Os índios, nas florestas, soltaram um fundo suspiro de alívio. As aves, nas matas, e os peixes, nos rios e no mar, soltaram um fundo suspiro de alívio. O Brasil, enfim, soltou um fundo suspiro de alívio — e a vida recomeçou, como se nunca, à superfície do planeta Terra, tivesse existido uma doença chamada Jair Messias Bolsonaro.
* Publicado originalmente na revista “Visão” de Portugal.

terça-feira, agosto 06, 2019

Sobrevivencialismo

O que não podes criticar,
controla sua vida.
Você não é dono de si?
Quando já não podes questionar: 
Ditadura instituída.
Quais direitos perdemos hoje?

Nepotismo
Censura 
Controle de informação 
Envenenamento (agro é Tóxico)
Miséria 
Alienação (Sleep slowly)

Quem sabe,
acordamos...
Neofascista é fascista.
Bicho de goiaba é goiaba.
Acordamos,
quem sabe? 

O que é que te enquadra?
Espelho de merda.

domingo, julho 28, 2019

A Sombra


O que é essa angústia? 
Que me fere o peito
Que me mata os sonhos
Que me retira o freio.

O que diabos é isso?
Que me tira o sono
Que me cega os sentidos
Que me embrulha o estômago. 

Perdido sem propósito 
Derrotado por mim mesmo
Fracasso enquanto bicho
Decepção enquanto gente.

E agora, onde vou?
Pro inferno me encontrar
No paraíso já não há 
Mais espaço pra mim.

E aqui, quando estou?
Em tempos de surtar
Com dificuldades de me amar
E sem forças pra dançar.

A Sombra assombra.
Já nem posso mais sentir.