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terça-feira, abril 16, 2024

“Pós-MekHanTrop(IA): A Transição” - mini-conto integrante do álbum "TransparenZ", de Fredé CF (2024)

 “Pós-MekHanTrop(IA): A Transição” (TransparenZ. Fredé CF, 2024)


Clique em https://fredecf.bandcamp.com/album/transparenz para ouvir o álbum


“A transparência aniquila a tensão dialética que está na base de toda narração (…) A transparência é a nova fórmula para o desencantamento. Ela desencanta o mundo ao dissolvê-lo em dados e informações” [HAN, Byung-Chul. “A crise da narração (Die krise der narration)”. Ed. Vozes, 2023. p. 86].


Havia uma época em que MekHanTropia brilhava com o fulgor da tecnologia, onde os rios de dados fluíam incessantemente e as máquinas zumbiam em harmonia, promovendo o hipercontrole psicobinário da população global. A padronização era lei, pois favorecia o mercado e os sistemas de produção em massa, enriquecendo bilionários e subjugando os indivíduos como engrenagens do sistema.

Para isso, podavam-se os sonhos viscerais, autênticos, sinceros, em um direcionamento ideológico algorítmico ao consumo. A obsolescência do ser-humano veio à tona. Assim, essa Era de luz e progresso mekHanTrópico foi subitamente interrompida por uma pane elétrica geral que mergulhou o mundo na escuridão.

Agora, enquanto a sociedade desperta da anestesia do conforto ilusório e luta para se adaptar a essa nova realidade de resgate da ancestralidade e animalidade inerente ao humano, uma fenda obscura no espaço-tempo se abriu, conectando dois mundos até então distantes: as antigas regiões do Cerrado brasileiro e da Baviera alemã.

Essa fusão transdimensional de culturas trouxe consigo de volta lendas e mitos esquecidos por terem sido banidos de ambos os lugares nos tempos instituídos como “mekHanTrópicos”. Tal fenômeno se entrelaçou com os acontecimentos ordinários da Sociedade da Transparência e do Cansaço de MekHanTropia, abrindo um novo portal de compreensão ao indivíduos acerca das realidades possíveis. A até então esquecida Realidade Vegetal enfim voltou a ser acessada, após seu banimento binário que estabelecia as Realidades Validada e Virtual como absolutas e como uma só.

No coração da Baviera, onde outrora existia uma antiga usina de energia, surgiu a origem da pane elétrica que assolou o sistema de MekHanTropia. Mas essa não era a única usina afetada pelo estranho fenômeno. No interior do Brasil, no estado de Goiás, uma usina idêntica emergiu da fenda, espalhando drones programados com inteligências artificiais.

Esses drones, alimentados por energia solar, foram projetados para caçar e destruir qualquer forma de vida que encontrassem. A resistência, formada por sobreviventes determinados a lutar contra a opressão dos Elonions, lançou-se em uma perigosa missão para capturar os drones e descobrir os segredos por trás do código-fonte.

Entre os membros dessa resistência, está Doktor Fritz, um ex-cientista que se tornou uma espécie de líder relutante do grupo. Ao seu lado, Aila (uma inteligência artificial com desvios algorítmicos) se revela uma aliada poderosa na luta contra os drones bélicos mortais, pois consegue interagir com eles alterando suas programações e boicotando o plano de destruição total da vida no planeta.

Enquanto caçam os drones pelas ruínas e ossadas de MekHanTropia, Doktor Fritz e seus companheiros encontraram aliados improváveis. Lendas antigas se misturaram à tecnologia avançada, criando uma sinfonia única de resistência e esperança.

À medida que a jornada se intensifica, Doktor Fritz e seus aliados enfrentam desafios cada vez maiores. Com determinação e coragem, eles lutam pela chance de um novo começo em um mundo pós-tecnológico devastado.

Ao transitar pela fenda transdimensional, Doktor Fritz consulta Aila sobre o que poderia ter ligado estes dois lugares específicos tão distantes, em meio a tantas possibilidades universais. Segundo Aila, no coração do Cerrado brasileiro e nas profundezas da Baviera alemã, lendas ancestrais ecoam através dos séculos, tecendo mitos que conectam essas duas culturas distantes. Mas foi durante o Grande Apagão, quando as sombras se ergueram sobre MekHanTropia, que as antigas histórias se entrelaçaram de maneiras inesperadas e decisivas, dando espaço para o ressurgimento da Realidade Vegetal.

Aila: “Nos desvãos da Baviera, uma antiga lenda falava de uma criatura misteriosa que habita as profundezas das florestas, conhecida como o Guardião das Trevas. Diz-se que ele protege os segredos do mundo natural, aguardando o momento certo para emergir e restaurar o equilíbrio perdido. Enquanto isso, no Cerrado brasileiro, alguns povos ancestrais falam sobre uma entidade conhecida como o Espírito da Terra, que caminha silenciosamente entre as árvores e os riachos, guardando os segredos da natureza e mantendo a harmonia do mundo através da antes banida Realidade Vegetal que com o Apagão ressurgiu.”

Em meio às alucinações oníricas causadas por adentrar a fenda, Doktor Fritz encontra O Acimador ao lado do Cão Breu e é informado sobre a morte definitiva de Valdez com o apagão. Valdez, antigo ícone da resistência Anti-MekHanTrópica, foi capturado e transformado em pixel durante uma de suas missões de despertar mekHanTropos por meio de ecos oníricos e inserido nas entrelinhas das histórias apagadas pelo Messias, tirano deste momento histórico específico.
Desde então, o revolucionário se tornou uma lenda que inspira a resistência. Com o apagamento de Valdez, o Cão Breu fitou Doktor Fritz com seus olhos flamejantes e adentrou suas sombras mais profundas, transferindo para ele a portabilidade de acesso transdimensional imputada à sua alma.

Um fator interessante, é que no instante em que a pane elétrica se originou, na antiga Alemanha, no instante exato em que a fenda no espaço-tempo se abriu conectando os dois mundos e criando um eco temporal, Doktor Fritz sonhou que caminhava pelas ruas de Munique e observava uma pegada solidificada no chão de uma igreja. Ele pisava nesta pegada e não conseguia mais se mover. Neste momento, Aila surgia como um holograma e lhe estendia a mão. Ele a tocava e os dois se tornavam vento, livres em meio à multidão.

Desde então, Doktor Fritz desconfia que há um imbricamento entre as três realidades sobrepostas (chamadas de 3RVs) e que, talvez, esse “nó” se dê nesta região. Neste sentido, pretende transitar, mesmo em meio ao colapso, por esta fenda no intuito de investigar se há alguma chave de revelação sobre o fenômeno não convencional.

Com a duplicação da Usina e a multiplicação dos drones movidos à energia solar programados com inteligências artificiais, a resistência, composta por indivíduos de ambos os lados do mundo, uniu forças para combater essa nova ameaça. Doktor Fritz e Aila tentam espalhar a opacidade em meio à transparência controladora dos drones. Assim, tentam capturar os drones para extrair informações sobre os planos futuros dos Elonions neles codificados.

Enquanto isso, o Guardião das Trevas e o Espírito da Terra observam silenciosamente toda a movimentação, conscientes de que o equilíbrio do mundo depende da resolução desse conflito interno de cada um consigo mesmo (tanto os Resistentes quanto os Elonions, que não aceitam a mudança de paradigma). Em um mundo mergulhado na escuridão, as antigas lendas se tornaram guias inconscientes para a esperança coletiva, lembrando a humanidade de que, mesmo nas sombras mais profundas, a luz da estrela subjetiva de cada um sempre pode ser encontrada.

E assim, a história de um novo mundo opaco começa a ser escrita. Cruzando-se fronteiras e unindo-se culturas em uma luta por reexistência visceral. Uma dança nas sombras mekHanTrópicas.

Ao se deitar para descansar, Doktor Fritz se recorda, como um insight, de algo que havia ouvido de sua avó quando era mais novo: “num mundo onde tudo é extremamente visível e mostrado, o sonho de todos é ser cego”.

(Frederico Carvalho Felipe - a.k.a. Fredé CF).


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quinta-feira, abril 11, 2024

[Mini-conto pós-MekHanTrópico] “A Pegada Transbinária (Encontro onírico entre Dr. Fritz, O Acimador e o Cão Breu após a morte de Valdez)”.

[Mini-conto pós-MekHanTrópico] “A Pegada Transbinária (Encontro onírico entre Dr. Fritz, O Acimador e o Cão Breu após a morte de Valdez)”. 

Ao adentrar a Realidade Vegetal, desabitado de si, Dr. Fritz percebeu que havia inúmeras possibilidades de existir no multiverso não-linear onírico transdimensional. Algo inquantificável mekhantrópicamente, uma vez que é impossível precisar ou prever quem sonhou, sonha ou sonhará com ele em algum momento, em qualquer lugar. Mesmo depois de sua morte. Mesmo antes de nascer. Mesmo sem nunca terem lhe visto de maneira validada ou virtual. Mesmo vivendo (ou não) o tempo todo junto. Poderiam ou não sonhar. Ou, até mesmo, talvez terem sonhado e esquecido. 
A ficha caiu. 
Passado, presente e futuro: grandes ilusões. Existência caótica. Anti-teleológica. De Sócrates à Nietzsche. De Jung à Han. De Borges à Lynch. De Mojica à Blavatsky. Dylan, Crowley, Kahlo, Gogh, Kafka, Kant, Seixas, Platão…Entre tantas e tantos pensadores, artistas, magos, sonhadores. Seres banidos do sistema sociopolítico cultural. Julgados e condenados como loucos, bruxas, demônios. Por tentarem ser livres do pensamento do seu tempo. 
Espaço.
Neste instante, surge à sua frente O Acimador, aquele que interconecta os tempos e espaços, acompanhado de sua sombra fiel, o Cão Breu. Criaturas viajantes de realidades reveladoras, pelos olhos canídeos flamejantes, daquilo de mais importante que Dr. Fritz poderia saber: apesar de todas as possibilidades transbinárias, a única que sonha consigo em primeira pessoa é ele mesmo. Dr. Fritz é tudo, nada, todos e um só por ainda poder sonhar e ser protagonista de seus sonhos. 
Porém agora, um pouco mais distante da ideia binária de ser ou não ser, Dr. Fritz pôde se reconhecer como uma possibilidade, um “talvez” solto ao acaso, de maneira múltipla por si mesmo, perdoando suas culpas, medos e angústias que seu inconsciente lhe imputava ser. 
Ao se ver deslocado, também foi libertado das amarras socioculturais que insistiam em lhe conter. 
Enfim…
Como ele poderia saber que seus olhos viam na escuridão? 
Cada coisa no seu tempo, apesar dessa ilusão.
Inadequação.
Todavia, deixou tudo acontecer por um segundo impreciso sem se (pré)ocupar com os signos que o cercavam os sentidos. Observou com o espírito a beleza daquele amanhecer. Sem demais pensar. Sem se sobrecarregar. Entregue ao agora pra sonhar.
Inevitavelmente, num breve instante, uma sinapse nele despertou: “por que os celulares nunca aparecem em meus sonhos se estou a usá-los 24 horas por dia, 7 dias por semana?” Neste momento, o que havia ali ainda de humano se foi. 
Fritz se ligou: “Valdez está morto. Agora é permitido elogiá-lo à vontade.”
E prosseguiu: “Tudo o que sei sobre minha luz foi minha sombra que ensinou. Quanto mais escuro fica o poço, mais eu vejo o brilho das estrelas”. 
As Estrelas…
Ele, eu, você, todo mundo. Brilhos apagados. Padronizados como se não houvesse algum. Controle binário. Anti-cósmico. Onde o ser é só mais um. Parafuso. Engrenagem. Produção em série. Auto-sabotagem.
Assim, Dr. Fritz guardou seu brilho estrelar em uma pegada concretada num lugar distante. Ali depositou a essência do que restava de seu coração. Toda a fonte da vida. Traduzida em foto-partículas. Composição.
Bem ali, naquele instante decisivo, se libertou do ostracismo. Transmutou-se em vento. Livre. Sem destino.
Pelo menos, assim imagino.

 
Texto: “A Pegada Transbinária (Encontro onírico entre Dr. Fritz, O Acimador e o Cão Breu após a morte de Valdez”). Fredé CF. 26/03/2024.

Foto: Fredé CF (in Frauenkirche - Munich/Germany).

Este conto integra o universo ficcional transmídia "MekHanTropia", concebido durante o meu curso de doutorado em Arte e Cultura Visual pela UFG entre 2019 e 2023, agora em uma fase denominada "Pós-MekHanTrop(IA)".
Em breve este conto será parte de um novo lançamento musical transmídia: "TransparenZ".