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terça-feira, setembro 27, 2022

(REFLEXÕES) O "Pesadelo" PsicoBinário MekHanTrópico de Fredé CF

No álbum Pesadelo (2022) – composto por dois EPs/atos intitulados como Succubus (Vol. 1) e Incubus (Vol. 2), lançados nos dias 22/08/2022 e 06/09/2022, respectivamente –, desloco questões que me pungem atualmente potencializando-as à uma dimensão onírica cuja abordagem se dá acerca das desconexões com o imaginário e mazelas decorrentes de uma sociedade tecnocrata e necropolítica. 

Clique nas imagens abaixo e ouça os EPs:

EP (Vol. 1) Succubus, de Fredé CF. Arte da capa: Ciberpajé.


EP (Vol. 2) Incubus, de Fredé CF. Arte da capa: Ciberpajé.

Busco com essa obra narrativa musical (que se expande às visualidades) refletir sobre aspectos da condição e condução humana atual, costurando histórias alegóricas com estranhos e horroríficos personagens que habitam a imaginação. Com influências como Bob Dylan, Buffalo Springfield, Pink Floyd, Mark Lanegan, Sérgio Sampaio, Chico Science & Nação Zumbi, Paulinho Moska, Arnaldo Antunes, entre outras, as faixas transitam pelos contrastes e colagens de sons, ruídos e vocalizações (como em todo o projeto musical solo situado em MekHanTropia), entre o orgânico, acústico, natural, analógico, atávico e o eletrônico, maquínico, digital, sintetizado. Uma espécie de dark-folk psicodélico, numa perspectiva primitivista e contestatória, todo criado, captado, mixado, produzido e distribuído pelo smartphone. 

O arquiteto, designer, músico e artista visual Maurício Mota (que também participa com sons e ambientações eletrônicas da faixa Um brinde ao Caos), comenta que a obra:

"Não é um trabalho que traga uma raiva, um rancor – apesar dos timbres evocarem isso em essência. É uma coleção de sons que somam a uma atitude de combate. Da não aceitação. Fredé faz todos os registros em casa, no quarto, usando um celular e vários plugins de gravação/produção musical. Falo que são registros porque é uma espécie de documento a obra como um todo. Funciona muito bem desta maneira, pois te convida, através de suas camadas de sons e texturas, a passear por um cotidiano atual da vivência humana neste grande e diverso país latino americano que é o Brasil. É uma história sem estruturas fixas. Uma aura solta no ar, esperando uma energia grudar" (Maurício Mota, 2022).

As capas dos dois EPs/atos/volumes são de autoria do Ciberpajé (a.k.a. Edgar Franco) e representam os gêneros de cada um desses demônios, sendo “Succubus” um demônio feminino e “Incubus” um demônio masculino, expondo a reflexão sobre a institucionalização da binaridade das coisas no imaginário. A abordagem desses conceitos foi instigada por diálogos no grupo de pesquisa “Cria_Ciber: criação e ciberarte” e está presente em todo o conceito do álbum como uma crítica à linguagem digital binária dos “zeros” e “uns” que aniquilam as zonas cinzentas de subjetividades e nuances típicas do ser humano, instituindo extremos de pensamento que não levam em conta a diversidade. 

Alysson Drakkar, artista, criador, fundador e membro da banda Luxúria de Lillith, também comentou sobre a obra: 

"O tudo e o nada.... Da existência.... Esses elementos tribais, a música acústica, a poesia sombria, e esses elementos visuais deixaram a obra única." (Alysson Drakkar)

Em MekHanTropia, tais demônios institucionalizam oníricamente o que chamo de (psico) “Binarismo Anticósmico” a partir dessas determinações. (O termo poético “Binarismo Anticósmico” foi pensado pelo Ciberpajé. Disponível em: https://ciberpaje.blogspot.com/2021/10/veja-como-foi-se-voce-nao-acompanhou.html Acesso em: 26/09/2022. O adaptei ao meu universo incluindo o prefixo “psico” em alusão à ideia de “psicopolítica” de Byung-Chul Han). 


Nessas obras trato sobre o horror, o inquietante, as sombras, a escuridão, tanto interna quanto externa. Tanto metafórica quanto literal. Tanto onírica quanto em vigília. Tanto pessoal quanto social. Cada volume traz 6 faixas com temáticas, conceitos e poéticas onírico-filosóficas inseridas no universo ficcional transmídia de MekHanTropia. As faixas dos volumes (Succubus e Incubus) foram pensadas para serem ouvidas intercaladas, imbricadas, interse(x)ionadas, sendo que Succubus apresenta as faixas ímpares e Incubus as pares, jogando com a ideia de transcendência do binarismo também por essa potencialização do álbum que conecta tais canções. O binarismo do volume 1 (ímpares) versus volume 2 (pares) transmuta-se e renasce em nuances transbinárias oníricas que se hibridizam e dão luz ao “Pesadelo”.


Tal experiência pode ser conferida na playlist intitulada “Pesadelo (2022)”, criada na plataforma Spotify com as obras interse(x)ionadas. Para conferir, clique em:

https://open.spotify.com/playlist/29vEb4lrt1K5PgMngDl32r?si=36396429fa2c4789

A obra conta com participações especiais diversas e com inserções incidentais ressignificantes. Como já comentado, os títulos dos volumes são oriundos de nomes atribuídos a demônios sexuais oníricos sugadores de energia que, em MekHanTropia, assombram os inconscientes psicobinários durante o sono, regulando as subjetividades dos indivíduos (bovíduos) deste universo. Incubus e Succubus são, em essência, relacionados ao pesadelo. Segundo Mario Corso (2004), "Pesadelo, em português, assim como em espanhol (pesadilla) deriva de peso (…) Os romanos falavam de nocturna oppresio. Na idade média, eram conhecidos o Incubus e o Succubus, que, na verdade, eram duas faces de um mesmo ser noturno demoníaco" (CORSO, 2004, p. 147).

Teaser/Prólogo do clipe "Pisadeira"

Penso ainda na figura da “Pisadeira”, um ser fantástico maligno responsável pelos pesadelos no imaginário brasileiro. Alguns povos indígenas tinham um ser parecido com esse chamado “Kerepiíua”. Segundo Mario Corso (2004, p. 147), “a Pisadeira é um fantasma em forma de mulher velha que vem oprimir o peito de quem dorme, ou seja, é a personificação do pesadelo”. Segundo o autor, a Pisadeira é uma confluência de mitos que envolvem dimensões, tempos, espaços e sonhos distintos.
Utilizo essas ideias de opressão, sufocamento e pesadelo, como referência para a representação da lenda da Pisadeira inserida em MekHanTropia pelo videoclipe homônimo lançado em 16/09/2022, no qual apresento uma micro-narrativa inserida na descrição e no início do vídeo, que versa sobre um pesadelo que o personagem Valdez tem sobre um vislumbre de um futuro distópico de destruição provocada pela desconexão do ser humano com sua essência natural e ascenção das máquinas. Porém, em meio à destruição e obsolescência das máquinas, surge novamente a vida. As imagens foram capturadas em Brasília e Goiânia, em espaços como a UnB, a instalação em feita pelo grupo Corpos Informáticos, o estádio Antônio Accioly, entre outras.


Sobre o videoclipe, o artista transmídia, professor e pesquisador Ciberpajé (aka Edgar Franco) comentou: 

"videoclipe visceral, para uma faixa enérgica com uma letra cheia de sutilezas e múltiplas simbologias! É muito legal ter acompanhado alguns dos Takeshi desse vídeo quando foram filmados e estar como ator coadjuvante nele! Parabéns Fredé, por sua incrível obra de fôlego com tanta força e múltiplos nuances criativos!" (Edgar Franco)

A comunicadora social Raquel Freitas também deixou suas impressões sobre a obra:

"O vídeo surpreende tanto pela mistura rítmica como pelos cenários diversos que, aliado aos versos tão sensíveis e ao mesmo tempo agoniantes, ressaltam a intensidade da sua força criativa." (Raquel Freitas)


Há também o videoclipe da faixa intitulada “EletroShock (Kali Gayatri Mantra)”. A música faz alusão à deusa indiana Kali, além de haver uma referência ao Cão Breu andando nas sombras noturnas pela frase dita durante a música: “The Black Dog walks at night”. Na mitologia oriental, Kali é uma deusa muito poderosa e muitas vezes temida. Esse temor vem muito de sua aparência e da ignorância sobre a dualidade que ela representa: bem e mau, claro escuro, etc. Os contrastes permeados pelas nuances que se dão nesses entres maniqueístas binários. Kali tem relação com a noite eterna, com o poder do tempo, o infinito e a transformação inexorável. A destruição para recriar. 

Kali é representada pela cor preta em alusão à escuridão, estágio inicial de todas as cores e de onde vem a iluminação. Ela traz uma guirlanda de cinquenta cabeças humanas, representando letras do alfabeto sânscrito, o que simboliza o conhecimento e a sabedoria. Ela usa também um cinto de mãos humanas decepadas, representando os principais instrumentos de trabalho e, metaforicamente, a ação do karma. Ela representa a libertação dos ciclos do karma. Seus quatro braços simbolizam o círculo da destruição (lado esquerdo) e da criação (lado direito), representando os ciclos e ritmos inerentes ao cosmos. Ela segura uma espada ensanguentada e uma cabeça decepada. A cabeça da ignorância e a espada do conhecimento. Seus três olhos representam o Sol, a Lua e o Fogo, com os quais ela pode observar o passado, o presente e o futuro. Esses poderes também dão origem ao nome “Kali”, que vem de “Kala”, o termo sânscrito para “Tempo”.

Kali representa a morte do ego, que vê nela uma terrível ameaça. Sendo assim, em uma cultura cada vez mais egóica verá Kali como algo assustador. O mantra cantado na faixa diz: “Om kalikaayae cha vidhmahe Shamshaanvaasinyae dhimahi Tanno aghoraa prachodayath” (Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z6UBFBGiGDU&t=1745s Acesso em: 05/07/2022).

Sobre o videoclipe "EletroSHOCK!", o artista transmídia e multimídia Léo Pimentel (a.k.a. Amante da Heresia) comentou:

"uou! respirei profundamente, pirei intensamente e me inspirei transgressivamente! muito phoda! da música que liberta nosso corpo dos grilhões da alma - esta máquina de criar âncoras para nossa dança - à narrativa visual em loopings, voltas e revoltas! globo e glóbulos da morte! adorei! e por isso uma provocação: nós, humanos, demasiado humanos é quem trazemos o vazio ao mundo, para este ser realizado em toda a sua plenitude. e o pós-vazio? o que seria isso? a abstração completa? ou a realização da máxima de douglas adam, "nada é impossível. mas altamente improvável"? hahaha - valeu grande fredé! belezura de obra!" (Amante da Heresia)

Penso que as máquinas podem criar âncoras na gente (e geralmente é o que acontece em função do sistema da hiperprodutividade), mas também podem soltar a imaginação. O problema, assim, talvez esteja nas maneiras como as máquinas estão sendo usadas e fruídas. A frase de Adams (trazida pelo Amante da Heresia) me fez pensar que entre o impossível e o improvável há a vida em toda a sua complexidade e possibilidade, e, por isso, resistência. A vida e suas nuances como a tão clamada resistência, assim como a arte. E a morte faz parte da vida (e da arte) e nos estapeia a cara constantemente mostrando que tudo é movimento, tudo muda o tempo todo, num movimento de des-apropriação de tudo que se coloca como “o que é”. Rastros in-significantes. Pinceladas de ausência. Como se o vazio fosse entendido enquanto um meio de afabilidade entre as imagens que passam uma nas outras constantemente. Imagens aceleradas pelas máquinas. Um desprendimento intenso entre a ausência e a presença, entre ser e não ser, sem expressar nada em definitivo. Nada urge, nada se limita, nada se fecha, e ao mesmo tempo tudo se aconchega e se espelha no fluxo binário delirante. E não adianta querer que as coisas sejam imoveis e imutáveis…nem na morte elas são. Não temos esse domínio ilusório. Acha-se que temos o poder de domínio sobre o caos…doce ilusão…é por isso que penso que cada momento é importante, pq nunca sabemos o que irá acontecer no momento a seguir. E cada vez presta-se menos atenção aos momentos. Na possibilidade e na probabilidade de viver está presente muita dor e sofrimento (utilizados como estratégia de cooptação pela anestesia), mas também afetos, amor e alegrias presas nos instantes cada vez mais curtos e fugazes aniquilados pelo hiperfluxo e hipercompetição…instantes mágicos que se diluem sem pausa nas telas do mundo 24/7…isso é o que me assusta. 

De forma geral, o sono é, ainda, uma barreira de resistência contra o sistema, se estabelecendo como um refúgio anti-consumista. Quando dormimos não estamos consumindo desvairadamente, nem tampouco sendo seduzidos diretamente para isso, embora cada vez mais consumimos nosso sono com telas luminosas que iluminam rostos antes e durante o adormecer. Todavia, o sono demanda um desligamento da nossa atividade junto aos aparelhos para que entremos em um estado de inoperância e inatividade. Para haver o sono, deve-se haver a desconexão da realidade virtual e a imersão na realidade onírica transcendental do inconsciente. Somos deslocados a um ambiente desprovido de aquisições materiais. Abandonamos, ao dormir, os cuidados e a dependência de outrem e acessamos novas modalidades de relacionamento com o tempo, no limiar entre o natural e o social, pelo imaginário. Em oposição, cada vez mais o sistema atua nos instituindo uma desfundamentalização do sono e do descanso, seduzindo-nos por ideais de prazeres que vem em forma de dados vendidos às empresas pelas redes telemáticas. 

Os remédios, as drogas sintéticas, as tecnologias, as ideias de bem-estar, os divertimentos e até mesmo a arte e outras possíveis resistências são esvaziadas de sentido como estratégia de cooptação pelos tentáculos do neoliberalismo, acelerando-nos rumo à produtividade de forma cada vez mais clara. Talvez seja esse o maior de todos os pesadelos pensados aqui nessa obra: o horror de não se ter controle sobre nada, em especial sobre o que se pensa, mostra e sente, imerso em um fluxo onírico de fragmentação infinita hipercultural.

Na narrativa do universo de MekHanTropia, pelos sonhos, o sistema acessa desejos mais profundos de cada um. O controle psicobinário é instituído alterando o pensamento. O malware h6n66 recodificou aquilo que se chamava de “humano”, criando uma horda demoníaca de zumbis tecnocratas milicianos acríticos. Essa horda foi batizada como “HumanCron” – em homenagem as variantes virais que foram catalogadas na época do “amanhecer mekhantrópico” –, e são lideradas pelo déspota necropolítico conhecido como “Messias Genocida”. A horda tem a incumbência de gerar pesadelos algorítmicos em quem tenta “despertar”. “Succubus” e “Incubus” são demônios nobres dessa horda, a serviço do Genocida. Pelos sonhos, eles sugam a energia vital e prendem os resistentes em seus pesadelos mekhantrópicos.



Ficha Técnica:
Essa obra é parte integrante da tese-criação transmídia “MekHanTropia” de Fredé CF (a.k.a. Frederico Carvalho Felipe), desenvolvida no Doutorado em Arte e Cultura Visual da FAV UFG sob a orientação da Profa. Dra. Rosa Berardo e co-orientação do Prof. Dr. Edgar Franco. Vídeos, letras, poesias, fotos, narrativas e músicas: Fredé CF Arte da capa ("Succubus" e “Incubus”): Ciberpajé. 🤘🏽🔥 F.Oak Produções 2022.