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terça-feira, novembro 05, 2019

Sem sentido


Penso que nosso aniversário é de fato uma ilusão. Comemoramos a data que é legitimada e registrada socialmente pela nossa saída do útero. Saída, muitas vezes, com hora marcada em meio a agendamentos direcionados a interesses das mais diversas ordens: "hoje não dá, pois o Dr. Fulano de Tal tem um encontro já agendado, vamos deixar pra amanhã as 17:43, ok?". Ou quem sabe: "hoje não quero ter o bebê, vamos deixar pra amanhã a data, pois preferimos que ele/ela seja de libra. Virginianos(as) são muito sistemáticos(as)." 
E assim caminha a humanidade, determinando narrativas a partir de datas ilusórias, naturalizadas e legitimadas sobre quem somos e quando viemos sem nem nos consultar.
Eu gostaria que as coisas funcionassem um pouco diferente disso, mas isso pode parecer loucura. Afinal, quem sou eu pra questionar o dia que nasci? Está lá! Documentado. Carimbado. Burocratizado. 
Confesso que comemoro sim meu aniversário, no dia 26 de março, data estipulada pelo sistema para minha chegada nessa dimensão. Um ariano, segundo devaneios dos astrólogos zodiacais. Gosto de comemorações de forma geral (me despertam emoções de afeto) e penso que o aniversário é importante nesse sentido em minha vida. Porém, não creio nesse dogma da data de aniversário absoluta e em toda a narrativa construída a partir daí (holística, jurídica, astral ou etária). Não creio que minha vida deva ser contada e quantificada a partir do momento que saí do útero. 
Desta forma, trago duas hipóteses/possibilidades de solução: 1) minha vida ser contada a partir do momento que sou considerado biologicamente uma vida, ou seja, ainda dentro do útero. Porém assim também estaria exatificando, mas por outro ponto de vista; 2) minha vida ser contada a partir do momento que tenho consciência dela, ou seja, sem uma data específica, exata, definitiva, tecnicista. Uma coisa mais fluida e  imprecisa, assim como o somos. (Somos?) 
Essa segunda ideia me agrada mais, pois rompe e transcende com o tipo de ordenação sistêmica de nós mesmos pelo mundo exterior. Assim, somos deslocados existencialmente ao contato com nosso interior (de dentro pra fora). Assim, somos humanizados e localizados no caos da existência, sem explicações lógicas para tal e sem predeterminações sufocantes sobre nós mesmos, afinal, a ideia de celebrar aniversário só faz sentido sendo nós mesmos conscientes e livres para sermos o que somos. De outra forma, não somos nós que celebramos e sim os outros, determinando o que gostariam que fossemos a partir de conceitos predeterminados externamente a nós.
Caímos sempre no erro, desde cedo cravado em nosso inconsciente, de vivermos mais para os outros que para nós mesmos. Aí é que nos desvinculamos do caos de sermos humanos, vivos, aleatórios, para virarmos mecanismos de significação, exatificados e controlados para o funcionamento de um sistema externo a nós, determinista e padronizante, que exclui nossas particularidades, fragilidades e potências naturais e evidencia características comuns para nos tratar como números e facilitar a venda de produtos e a contabilização de nossos hábitos e gostos para inúmeros bancos de dados. Viramos mercadoria. Pilhas para o sistema. Mortos em vida. Padronizados. Padronizantes. Um ciclo vicioso que segue de geração pra geração. A narrativa segue, infinita. 
Nos direcionar e alienar com falta de pensamento crítico decorrente do não-autoconhecimento, esse é o mundo que vivemos e que é  incentivado desde o nascimento. Por sermos conscientes, não seríamos o único animal a comemorar aniversário? O fator decisivo nisso é então nossa consciência. É ela que deve ser evidenciada e comemorada. Claro que não! Somos números. Só servimos enquanto servimos. Cada vez mais máquinas. Cada vez menos sentimentos. Não possibilitar, por nossa fragilidade de não ter consciência nos primeiros anos de vida, que sejamos nós mesmos é a chave de uma equação impossível de resolver, pois somos uma espécie de filhote dependente. Dependente do outro. Proponho então uma inversão consciente e determinada por nós mesmo como forma de questionar o institucionalizado. Ao invés de "aniversário", o "aniSersário". Ao invés de "niver", "niSer". Ao invés do "birthday", o "BeDay". "L'êtreversaire". O "Ser-eu" antes do "Ser-outro". Mais de dentro pra fora que de fora pra dentro.
O que vale o que penso? É quantificado? Não, porque não é medido enquanto simples pensar, só se articulado externamente, fora de mim. Mas, por outro lado, e tudo isso que penso? E tudo que penso? Vem de mim ou vem de fora? E os nossos sonhos? Já pensou nascer sem nenhum sentido? Sem nenhum dos cinco. Estar sempre dentro, nunca fora. Será que existimos sem sentido? Já pensou? 

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