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segunda-feira, junho 15, 2020

Sobre o conceito de MekHanTropia - por Frederico Carvalho Felipe



Vemos agora quiçá o declínio de um sonho de liberdade e um blefe de que vivemos em tempos de maior livre-arbítrio. Há uma alteração induzida de modos como lidamos com o mundo. Uma inversão de valores acerca de quem somos/éramos em essência e de como vivíamos em sociedade, frente uma (sub)existência servil e controlada decorrente de nossa atual relação com o sistema institucionalizado e suas ferramentas tecnológicas de controle cada vez mais eficazes.

Tal pensamento induz à uma condição de renúncia a nós mesmos enquanto animais orgânicos, direcionando-nos a uma MekHanTropia adoecida, em uma cultura que centra sua intenção narrativa sobre o imaginário coletivo na ideia de superação de metas, produtividade e desenvolvimento econômico, esquecendo os limites naturais e as consequências que tudo isso causa. A atual pandemia evidencia tais aspectos e acentua as dispersões de humanismo que ainda nos restam. Devido às possibilidades de contágio, são aniquilados encontros e afetos presenciais; estipulados limites rígidos de contato; e determinadas relações mais intensas de dependência entre as pessoas e as máquinas. Tudo ainda incentivado visando a ideia quantitativa de produtividade.

O termo MekHanTropia ainda vem sendo desenvolvido e aprofundado enquanto conceito no intuito de transcender a representação do ciborgue, (tido pela simples mistura homem-máquina), para o processo de transformação do Homem (antropo) em Máquina (Mekhos). Esse conceito visa nossas relações sociais e também com o meio natural, aproximando-o ao conceito de “misantropia” – aversão ao ser humano e à natureza humana de forma geral ou a falta de sociabilidade – bem como as dispersões causadas pela tecnologia. Assim, um MekHanTropo seria um tipo de ciborgue destruidor da vida natural (orgânica) e a MekHanTropia uma indução (ou intenção) causada pelo status quo para o indivíduo se tornar, ludibriadamente ou não, um MekHanTropo. Esta situação traria recompensas ilusórias sobre um futuro de falsa utopia, pois, ao invés de harmonizar-nos com o meio e com o domínio das técnicas, se basearia no luxo, lucro e bens materiais, o que o torna, de fato, uma distopia causada pela própria vaidade do MekHanTropo, que abdica de sua vida e se metamorfoseia em engrenagem de aniquilação a serviço de um sistema seco, sem vida. A palavra "Han" surge no interior da expressão, como uma homenagem ao pensador “HAN, Byung-Chul”, crucial para essas reflexões.

Cada vez mais nos distanciamos uns dos outros e de nossa essência enquanto bicho. Mesmo conectados globalmente pela rede telemática, nos desconectamos qualitativamente de nós mesmos e do nosso habitat. Somos aprisionados ao sistema institucional por meio de falsas “bolhas” de aceitação e aprovação, que induzem ao consumo e à alienação, fazendo olvidar que vivemos em sociedade. Ignorantes frente as nossas sombras e com conexões vazias, nos perdemos em nossa vaidade e menosprezamos a importância de cizânias enquanto válvulas de reflexão em nossas vidas. Pior que nos desconectarmos é a consequência que isso gera. Nos aniquilamos diante de falsas promessas de felicidade fundamentadas no “ter” acima do “ser” pelo universo fantástico e padronizante da publicidade e das redes sociais. Somos cada vez mais aniquilados em nossa unicidade enquanto ser.

O cenário atual, com a emergência de totalitarismos, neofascismos e fundamentalismos, mostra-se crucial para o autoconhecimento. Não no sentido restrito do conhecimento da personalidade consciente do "eu", mas de forma a lançar - como aponta C. G. Jung - luz em nossos lados obscuros (conscientes, inconscientes, individuais, singulares) e entender que eles também fazem parte de quem somos, estamos e nos tornamos enquanto seres humanos, animais.

A arte, nesse sentido, manifesta muitos desses processos do inconsciente, tornando-se, a partir de seus processos criativos e rituais de (re)presentação, uma excelente via de resistência anti-MekHanTrópica pela vida orgânica que ainda nos resta mas nos escapa cada vez mais.


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