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Goiânia, Goiás, Brazil
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sexta-feira, maio 25, 2018

CIDADE DE SANGUE



Ontem, após sair do lançamento da graphic novel “Cidade de Sangue” que o amigo Márcio Jr. produziu em parceria com Julio Shimamoto, cheguei em casa, abri um vinho e fui ler a obra. Já de cara me impressionei com os traços de Shimamoto (feitos inacreditavelmente com ferro quente e maçarico) que me remetem à estética dos expressionistas e suas distorções das formas. Tive uma sensação parecida a de quando assisti pela primeira vez ao clássico “O gabinete do Dr. Caligari”: imerso em um caos de linhas turvas, formas desfiguradas e contrastes acentuadamente grotescos. Uma representação desordenada da realidade trazendo aquela boa e velha sensação de que tudo está para ruir a qualquer momento, e é exatamente isso que acontece. Tudo rui na Goiânia narrada por Márcio Jr. e Shimamoto, seja em 1995, seja em 2018. Tudo parece estar por um fio. Nada se estabelece em um solo firme e harmônico. Mesmo em contextos de alegria, a perturbação está (oni)presente. A planície da capital goiana que nos acostumamos a ver diariamente, caracterizada pela linha do horizonte e pelas formas rígidas da arquitetura Art Déco, é decomposta em pról de uma fluência em traços diagonais repletos de angústia e, principalmente, SANGUE. Um horror explícito nas expressões dos personagens, cenários e que é acentuado pela colorização em um vermelho estarrecedor feita com propriedade por Tiago Holsi.
Aos moldes bukowskianos, a cadência narrativa da graphic novel nos aproxima e ao mesmo tempo nos repele dos personagens, causando uma espécie de divisão moral em nós mesmo, estapeando-nos com nossos valores sem cair no papo melodramático de bem x mal, mas, pelo contrário, construindo uma representação calcada na crueza da humanidade, destoada de uma polarização maniqueísta e que acentua traços típicos humanos sobre questões existenciais que ocasionalmente nos acomete. Não há final feliz ou triste. Não há bem ou mal. As coisas simplesmente são, acontecem e se dão por meio de ações e reações na diegése da obra. A dúvida da fertilidade traduzida como uma base de sustentação da família. O amor em tempos de ódio. O sexo, a violência, o escárnio diabólico de uma vida enferma que transforma o mundo representado em um grande manicômio, conduzindo-nos por meio do personagem ao abismo infernal de ser julgado culpado injustamente por um crime que não foi cometido. Encarcerado, vilipendiado, diminuído à guimba do charuto ostentado pelo chefe, o personagem cai de forma livre ao inferno, pois a morte não seria um desfecho suficientemente doloroso. A maldade escancarada de um narrador que não poupa suas criaturas. Uma cidade onde não há saída. Uma cidade de sangue e lágrimas que representa o inferno da dor e do prazer de cada dia amanhecer respirando o ar seco e empoeirado do cerrado. Uma cidade treta!

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