O
ódio e suas diversas manifestações no mundo contemporâneo
por Frederico Carvalho Felipe
fredcfelipe@hotmail.com
Mestre em Arte e Cultura Visual - UFG
O
ano de 2015 se findou com um tema recorrente na lembrança popular: o ódio. Da
política à arte, o ódio permeia a história da humanidade se afirmando como um forte
aspecto característico do ser-humano e que, muitas vezes, o define. O amor, por
outro lado compreendido aqui não pelo viés maniqueísta, esforça-se para
equilibrar forças no que tange à caridade, à fraternidade, à ternura e à
benevolência. Ao nos depararmos com a alteridade, imediatamente algo soa
estranho, diferente e bizarro. Imbuídos de idealizações pré-concebidas, muitas
vezes nos esquecemos de que o outro, em toda a sua complexidade, é um
semelhante e, por isso mesmo, detentor dos mesmos direitos, incluindo aí o de
discordar, pensar e agir diferente do habitual. Pensamentos amorosos isentos de
ódio estão em falta hoje em dia e, muitas vezes, servem até como disfarces para
expressar os diferentes ódios que sentimos.
Nos
últimos dias, fatos repletos de ódio – no sentido intrínseco da palavra que
traz como sinônimos os conceitos de rancor, gana, ira, fúria e desespero –,
permeiam os noticiários e as mesas de bar. A força do ódio é tão súbita e própria
ao ser humano, que episódios horríveis como o desastre de Mariana (MG), os
atentados terroristas de Paris, a guerra na Síria, os jovens sendo
assassinados nas favelas do Rio de Janeiro ou os alunos sendo surrados pelo
governo de São Paulo e Goiás geram mais ódio nas redes sociais entre os internautas que
competem pra saber qual evento merece mais ódio como forma de combate.
No
fim das contas e de forma geral odiamos quem odeia mais que a gente e, o pior,
odiamos quem odeia de forma diferente da gente. Odiamos quem coloca a foto com
as cores da bandeira da França no perfil do facebook ou quem utiliza a hashtag
#meuamigosecreto pra denunciar as formas de violência contra a mulher, algo tão
próximo e tão repleto de ódio. Odiamos a censura contra a arte e, ao mesmo
tempo, odiamos a arte grotesca de fuçar nos orifícios alheios, batendo na cara
da moral hipócrita a que estamos inclusos. Odiamos a mesmice, mas estamos
também prontos pra odiar quando alguma mudança que choca com nossos interesses
mesquinhos é proposta. Odiamos o trânsito caótico das grandes cidades, mas
passamos por cima de ciclistas e odiamos a ideia de traçar o país com trilhos
ferroviários, pois interesses econômicos estão em jogo e odiamos perder, mesmo
quando o intuito é que todos ganhem. Odiamos que todos ganhem.
Neste
último caso, em especial, o ódio se mostra disfarçado de gana, principalmente
se situado no nível político da discussão. A mesma gana do ocorrido em Mariana,
que não olha além do próprio umbigo e da margem de lucro e se traduz sem
escrúpulos em atentados contra a sociedade, a vida, e a democracia. A gana
traduzida em ódio. A gana de ganhar somente pelo fato de ser o dono da bola e
não aceitar que outras pessoas pensem de forma diferente da sua e, pior ainda,
de enxergar o diferente como inferior. O ódio sob a alCunha hipócrita do
egoísmo.
Vemos
essas relações representadas muitas vezes de forma maniqueísta na arte, como no
cinema e na literatura onde o bem e o mal se digladiam. O ódio clássico que nos
afasta da luz e nos aproxima do lado sombrio da força. O ódio rancoroso e
egoísta de querer que as coisas sejam da forma que achamos correto, sem
enxergar novas possibilidades. O ódio traduzido em apego a bens de consumo e
materiais ou à ideologias fechadas e intransigentes a mudanças e a diálogos.
Temos
exemplos na história de fatos similares, como o nazismo ou a idade das trevas
do cristianismo, onde os diferentes (pagãos, bruxas, judeus, homossexuais,
cientistas, curandeiros, etc) deveriam ser exterminados pelo poder, pela força
do Império muitas vezes por simplesmente serem contra o ódio. Douglas Kellner, pensador da cultura e da
mídia, cita Gramsci em sua obra Cultura
da Mídia (2001, p. 48) quando coloca que: “as sociedades mantêm a
estabilidade por meio de uma combinação de força e hegemonia, em que algumas
instituições e grupos exercem violentamente o poder para conservar intactas as
fronteiras sociais (ou seja, polícia, forças militares, grupos de vigilância,
etc.) enquanto outras instituições (como religião, escola ou mídia) servem para
induzir anuência a ordem dominante, estabelecendo a hegemonia, ou o domínio
ideológico, de determinado tipo de ordem social.”
O
ódio institucionalizado pela hegemonia, pela conquista, pelas guerras, pelas
mortes. O ódio vertical embasado de forma horizontal, que atinge e dissemina
cada vez mais ódio por todos os cantos do planeta. Essa disseminação nos
transforma em uma sociedade calcada pelas diretrizes do ódio. Uma sociedade que
será extinta por ela mesma por não se atentar que não se vence o ódio com ódio,
isso apenas o aumenta.
O
ódio no patamar institucionalizado por pessoas que exercem o poder com o ódio
recalcado de ser o que se é, sem escrúpulos e com a alma manchada de ódio
gerando mais e mais ódio. O ódio que leva a condenação de muitos e muitas por
inveja, intolerância e dissimulação. O ódio de sentir a necessidade de ser
superior a todo custo, como forma de poder. O ódio de julgar o outro sem antes
se olhar no espelho e perceber que quem deveria ser condenado é você. O ódio da
vingança e de se achar superior a tudo e todos passando por cima de qualquer
preceito ético ou de respeito ao(s) outro(s), em um caminho psicótico pelo
poder. O ódio traduzido no prazer de dizer que o outro estava errado,
empurrando-o de comida aos porcos, porcos estes, que fique claro, que não tem
ódio de ninguém.
O
ódio que vem da fome, da pobreza, do desamparo. E, por consequência, o ódio que
vem contra quem sofre por tais consequências do ódio. O ódio de se odiar por
escrever um texto com tanto ódio no coração e, pior ainda, o ódio traduzido em
desesperança e descrença pela raça humana. A natureza, por ser a maior afetada
pela maldade humana, deveria nos odiar, porém ali vemos o amor, o antídoto. O
amor é a saída utópica de uma sociedade calcada em valores de ódio que inclui
eu e você.
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