Vemos
agora quiçá o declínio de um sonho de liberdade e um blefe de que vivemos em
tempos de maior livre-arbítrio. Há uma alteração induzida de modos como lidamos
com o mundo. Uma inversão de valores acerca de quem somos/éramos em essência e
de como vivíamos em sociedade, frente uma (sub)existência servil e controlada
decorrente de nossa atual relação com o sistema institucionalizado e suas
ferramentas tecnológicas de controle cada vez mais eficazes.
Tal
pensamento induz à uma condição de renúncia a nós mesmos enquanto animais
orgânicos, direcionando-nos a uma MekHanTropia adoecida, em uma cultura que
centra sua intenção narrativa sobre o imaginário coletivo na ideia de superação
de metas, produtividade e desenvolvimento econômico, esquecendo os limites naturais
e as consequências que tudo isso causa. A atual pandemia evidencia tais
aspectos e acentua as dispersões de humanismo que ainda nos restam. Devido às
possibilidades de contágio, são aniquilados encontros e afetos presenciais;
estipulados limites rígidos de contato; e determinadas relações mais intensas
de dependência entre as pessoas e as máquinas. Tudo ainda incentivado visando a
ideia quantitativa de produtividade.
O
termo MekHanTropia ainda vem sendo desenvolvido e aprofundado enquanto conceito
no intuito de transcender a representação do ciborgue, (tido pela simples
mistura homem-máquina), para o processo de transformação do Homem (antropo) em
Máquina (Mekhos). Esse conceito visa nossas relações sociais e também com o
meio natural, aproximando-o ao conceito de “misantropia” – aversão ao ser
humano e à natureza humana de forma geral ou a falta de sociabilidade – bem
como as dispersões causadas pela tecnologia. Assim, um MekHanTropo seria um
tipo de ciborgue destruidor da vida natural (orgânica) e a MekHanTropia uma
indução (ou intenção) causada pelo status quo para o indivíduo se tornar,
ludibriadamente ou não, um MekHanTropo. Esta situação traria recompensas
ilusórias sobre um futuro de falsa utopia, pois, ao invés de harmonizar-nos com
o meio e com o domínio das técnicas, se basearia no luxo, lucro e bens
materiais, o que o torna, de fato, uma distopia causada pela própria vaidade do
MekHanTropo, que abdica de sua vida e se metamorfoseia em engrenagem de
aniquilação a serviço de um sistema seco, sem vida. A palavra "Han"
surge no interior da expressão, como uma homenagem ao pensador “HAN,
Byung-Chul”, crucial para essas reflexões.
Cada vez mais nos distanciamos uns dos outros e de nossa essência
enquanto bicho. Mesmo conectados globalmente pela rede telemática, nos
desconectamos qualitativamente de nós mesmos e do nosso habitat. Somos
aprisionados ao sistema institucional por meio de falsas “bolhas” de aceitação
e aprovação, que induzem ao consumo e à alienação, fazendo olvidar que vivemos
em sociedade. Ignorantes frente as nossas sombras e com conexões vazias, nos
perdemos em nossa vaidade e menosprezamos a importância de cizânias enquanto
válvulas de reflexão em nossas vidas. Pior que nos desconectarmos é a
consequência que isso gera. Nos aniquilamos diante de falsas promessas de
felicidade fundamentadas no “ter” acima do “ser” pelo universo fantástico e
padronizante da publicidade e das redes sociais. Somos cada vez mais
aniquilados em nossa unicidade enquanto ser.
O
cenário atual, com a emergência de totalitarismos, neofascismos e
fundamentalismos, mostra-se crucial para o autoconhecimento. Não no sentido
restrito do conhecimento da personalidade consciente do "eu", mas de
forma a lançar - como aponta C. G. Jung - luz em nossos lados obscuros
(conscientes, inconscientes, individuais, singulares) e entender que eles
também fazem parte de quem somos, estamos e nos tornamos enquanto seres
humanos, animais.
A
arte, nesse sentido, manifesta muitos desses processos do inconsciente,
tornando-se, a partir de seus processos criativos e rituais de (re)presentação,
uma excelente via de resistência anti-MekHanTrópica pela vida orgânica que
ainda nos resta mas nos escapa cada vez mais.
Para
ir além:
2 comentários:
Excelente!
Obrigado!
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