segunda-feira, setembro 07, 2020

[RESENHA] MekHanTropia: "Não há outro caminho além da Resistência", por Roberto Franco

 Não há outro caminho além da Resistência

Roberto Franco

(Cozinheiro, costureiro, escritor, realizador e antifascista.)

 

A obra MekHanTropia é um álbum indispensável àqueles que buscam reflexões e pensamentos que possam sustentar o difícil exercício de compreensão da realidade. Muitas faíscas reverberam meu estoque de questionamentos e mais ainda de motivações. Não há outro caminho além da Resistência.

De fácil assimilação, o conceito da MekHanTropia estabelece em síntese a ressignificação do homem enquanto máquina. Não propriamente o romantizado e poético ciborgue do imaginário sci-fi, alimento cultural de gerações que por décadas representou da literatura ao cinema o arquétipo de futuro tecnológico e a simbiose orgânica/mecânica. O MekHanTropo é por si um indivíduo biológico construído mentalmente pela mão do Estado em consonância com interesses de ordem econômica; como um títere do capitalismo. Um ser subjetivamente acéfalo, moldado em sua psique para repetir desenfreadamente padrões de pensamento antinaturais que valorizam o comportamento de manada. Tudo em benefício de interesses econômicos, políticos e de poder. O mekHanTropo, em escalas variáveis, somos nós. Prisioneiros tecnológicos de nossa própria vaidade.

Em detalhes

Ao longo da última década vivenciamos uma revolução tecnológica avassaladora. Através da Rede tivemos nossa existência funcional revirada do avesso. Da forma como nos comunicamos, dos perfis – físicos e psicológicos – que construímos de nós mesmos, das opções e escolhas de consumo (dos bens de consumo propriamente ditos aos padrões de valorização e aprovação do que nos é oferecido pela indústria cultural). Enfim, tudo que nos formata como referência de existência além da virtual. Diante dos significados da MekHanTropia, é factível afirmar que uma sólida fração do que hoje pauta quem somos e como pensamos faz parte de uma construção em escala global e de relevância histórica da apropriação dos meios tecnológicos como instrumentos de uma guerra invisível que mira e acerta em cheio o seu objetivo: a recolonização.

Há décadas a evolução tecnológica possibilitou a forma como povos e nações se integraram. Uma evidente consequência desta dinâmica foi o crescimento econômico de nações que ao longo dos séculos foram apropriadas por países imperialistas. E deste cenário surgiu o que, sobretudo na última década, ocorreu debaixo de nossos narizes e que se fundamentou como base para os dias de terror neofascista e fundamentalista que vivemos hoje. Um elaborado e bem executado plano de reengenharia social que, como se envolto por um verniz de invisibilidade, transcorreu sem grandes obstáculos. Cenários políticos conflituosos em diversos países que emergiram e construíram relativa autossuficiência, tensões sociais forjadas que desestruturaram governos de viés progressista e romperam o véu da coerência. Muitos exercícios jornalísticos de investigação passaram a ser desacreditados e associados a factoides conspiracionistas quando trataram de temas como guerra híbrida ou a influência de grupos econômicos sobre as lideranças políticas das nações. Apesar de relações complexas e um quê hollywoodiano em tais tramas, relacionar este tipo realidade ao perfil das fake news e conspirações neofascistas que abundam o universo informacional do brasileiro hoje é, no melhor cenário, uma ironia.

O que vivemos além dos ocultos jogos de poder que certamente não serão ventilados na imprensa mundial e o que está em jogo é mais do que interesses de poder econômico e subjugação de um pensamento progressista a um reacionário. É a ressignificação do indivíduo, a transmutação de suas principais referências naturais e sociais claramente instintivas a um mecanismo (des)intelectual. É a busca pela construção de comunidades previsíveis, subjugadas e pacíficas como parte da engrenagem de dominação e controle. Trata-se da instrumentalização das ferramentas tecnológicas que ressignificaram a forma que vivemos e nos relacionamos. Um emprego violento e militarizado dessas estruturas tecnológicas buscando condicionar pensamentos coletivos.

A mekHanTropia que me ameaça é aquela que atinge a todos. A que por uso de ferramentas massivas de comunicação/socialização/existência virtual ressignificou no pensamento social conceitos antes vistos como primários, individuais e sociais. Com o objetivo principal de dominação, controle e subjugação. Essa relação entre a geopolítica e a MekHanTropia, apresentada aqui de forma superficial, é concreta e absolutamente indissociável. A transformação de valores mercantis sob a ótica do moribundo ultra neoliberalismo em um novo padrão de pensamento no imaginário coletivo popular faz com que olhares maniqueístas de complexidade medieval sejam a pauta dos debates e discussões em redes sociais por indivíduos que não tiveram acesso aos mais elementares aspectos conceituais de temas como livre mercado, liberdades individuais ou até mesmo o comunismo histórico.

Iludido pela certeza inserida artificialmente em suas convicções, o mekHanTropo se integra enquanto engrenagem na máquina de controle do Estado sobre os indivíduos. Cego pela vaidade da aprovação de seus pares, consolida a destruição não apenas de sua própria existência (física, psicológica e social) mas também do meio ambiente.

Retomando a perspectiva da obra, o MekHanTropo pode ser descrito como um sujeito social que aniquila a ideia de sua própria essência. Tanto em sua capacidade de se conectar com outro quanto em sua capacidade de se perceber parte da natureza. Não habita nele a natureza, habita nele a programação recorrente e continuada que recebe e sequer imagina. Legitima o discurso imposto e distorce sua própria compreensão de si e de seus instintos naturais comuns a outras espécies como a autopreservação.

Aprisionado na fantasia de viver em um futuro utópico de harmonia mediada pela tecnologia (uma fanfic personalista sobre o capitalista que acredita ser), o MekHanTropo se fortalece pela estupidez alheia, todos dependurados uns aos outros e a um pensamento de capitalismo de salvação e suas falsas benesses. Não há distopia que não se erga sobre a ilusão de uma utopia.

Por isso, ao analisar as atuais políticas de estrutura neofascista e fundamentalista que por meio do voto chegaram ao poder em diversos países, alguns pontos narrativos e de discurso comuns entre si ficam evidentes. Sobretudo quando justificam a barbárie com temas como liberdades individuais. A Legitimação de personalidades que há uma década eram desprezadas pela própria insignificância diz muito e muito claramente sobre o sucesso da empreitada de desumanização do indivíduo comum, reflexivo, conectado com a natureza e consigo.

Vivemos sim dias de trevas, caro Fredé, e não há horizonte de transformação. A Obra MekHanTropia me impactou tão positivamente quando entendi sua proposta mais ampla: a provocação. Ao autoconhecimento, ao exercício cotidiano de reflexão sobre pensamentos e ações. Sobre o que somos, o que consumimos, como nos relacionamos. E, mais importante, como conseguiremos nos ressignificar, voluntaria e conscientemente, depois de termos sido todos ressignificados artificialmente pela máquina tecnológica de consumo e de comportamentos, de fora pra dentro.

A Resistência começa de dentro pra fora.

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Ouça o álbum digital na plataforma BandCamp NESSE LINKhttps://fredefoak.bandcamp.com/album/mekhantropia


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